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Foi num sonho que o termo déspico veio a mim. Déspico, déspico. Nada no Houaiss. Enfim, uma palavra nova. Eu tinha um nome, e me faltava uma coisa. Dar um nome, apontar para o que quer que seja e dizer “é isto”, “isto é um déspico”: quanto poder, quanta glória – quanto renome a quem atribui um nome! Tudo ao meu alcance. A dificuldade: o que seria um déspico?

Em primeiro lugar, seria preciso afastar certa sensação – sim, sensação, não se tratava ainda de conotação –, sensação ruim, feia, mesmo negativa, numa palavra que começa com des-, como despropositado, despreparado, despótico (ainda que o poder de marcar um fenômeno com minha palavra pertencesse despoticamente a mim). Não pegaria bem. Além disso, déspico soa como um adjetivo. Imagine os superlativos – despicíssimo, despérrimo. Não. Nunca quis um adjetivo. Quero um substantivo.

Por outro lado, à merda com as regras gramaticais, elas nunca impediram belas coisas de ter belos nomes. É claro que o fato de a minha palavra ser uma proparoxítona dificulta muito as coisas. Por exemplo, não se fazem rimas boas com proparoxítonas. E também nunca consegui ligar uma proparoxítona a um belo objeto, descontando os nomes próprios, mas isto é casual e, de toda maneira, eu não tinha um filho nem planejava ter para chamar-lhe de Déspico. Enfim, apesar disso, passei a imaginar todas as coisas bonitas que eu gostaria de nomear.

É mais difícil do que parece. Descobri que todas as coisas legais já têm nomes. Passei dias tentando. Primeiro, sozinho; sem sucesso, recorri a conhecidos:

- Sabe aquelas cores psicodélicas no céu?
- Aurora boreal.
- Merda. E aquele gostinho que a rúcula tem no finzinho?
- Não como salada.
De fato, não adiantaria muito nomear uma sensação muito subjetiva, que eu não pudesse compartilhar com ninguém. O problema de se ter um nome para aplicar, no atual estágio da humanidade, é justamente que tudo já foi nomeado. Deve ter sido fácil pra Deus ser Deus lá atrás, quando ninguém tinha dado nome pra coisa nenhuma e ele podia fazer tudo. Queria ver o que ele faria hoje com uma palavra nova, com meu déspico.

Já que não havia muito na natureza para eu descobrir, tirando uns planetas e umas galáxias, mas estes recebem nomes técnicos, siglas e tudo o mais, sobrava ainda a possibilidade de inventar algum treco. Se eu fosse um cientista, se eu pesquisasse, eu poderia registrar minha invenção como Déspico. Isso seria legal. Acontece que eu não sou cientista, nem tenho vocação pra inventar nada. Eu poderia até entrar em contato com algum cientista e oferecer meu nome pro trabalho dele. Mas certamente ele deve ter pensado em algum desses nomes espertos que os cientistas usam pra suas invenções, nomes até de apelo comercial. E, idealista que sou, não ia querer concorrer com nomes feitos para vender.

O que sobrou? O que sobrou? Esse foi o meu dilema. Sem o que descobrir, sem o que inventar – eu não queria apelar para gírias ou qualquer outro tipo de sinônimos, não queria entrar em nenhum tipo de linguagem paralela ou complementar. Nunca havia me sentido tanto só, eu e meu déspico, meu déspico e eu. Não era grande companhia, vazio daquele jeito. Um fantasma. Ocorreu-me, então, que o déspico, daquele jeito, estava ali comigo. Finalmente compreendi, e regozijei-me. O déspico era ele mesmo; o déspico era o déspico. Ele era aquela inconstância, aquela resistência aos objetos do mundo, ele não era outro senão ele mesmo, em sua própria história, que fizera dele o que ele era, e nenhum nome fora antes tão adequado quanto aquele. Déspico.


Por Thiago F. * 13:11 * terça-feira, 6 de maio de 2008