"Não enfrentes monstros sob pena de te tornares um deles. E, se contemplas o abismo, a ti o abismo também contempla". Nietzsche
Insônia. Insônia é a mãe da infelicidade. Ninguém jamais deixou de dormir porque estava triste. Pelo contrário: as pessoas são infelizes porque não dormem. Dormir é das melhores atividades da vida. Atividade, sim. Dizem por aí que, se dormir oito horas por dia, você perde um terço da sua vida. Eu digo que é um ganho garantido. Uma vida bem vivida é uma vida dormida. Admito algumas pequenas interrupções só para voltar a dormir mais um pouco. Não dormir é que é a morte.
Aconteceu comigo, já faz algum tempo, quando eu ainda era novo. Um mocinho. Fiquei com insônia. Não era a minha primeira, nem seria a última. Não conseguia dormir por nada. Rolava na cama há algumas horas. O travesseiro, a cada três minutos eu precisava virar, de tão quente que ficava. As texturas dos lençóis espezinhavam sem parar. Todo o corpo sentia aquela desgraça que era estar acordado contra a vontade, e a mente não ficava para trás. Todos os pensamentos já tinha sido pensados, todas os carneiros contados. Todo arrependimento já tinha batido e sido superado. E o que mais me incomodava era o tédio, o vazio no qual você se transforma na insônia. Não adiantaria muito levantar, não havia nada para fazer. Nem um leite me faria adormecer. Não havia chá, nem ninguém com quem conversar. Meus irmãos roncavam no quarto, o que incomodava mais ainda. Então acabei tendo a ideia.
É engraçado que essas ideias surjam nessas horas. Quando não resta mais nada. Elas são tão fortes que, mesmo que houvesse outra coisa pra fazer, qualquer outra coisa, ainda que fosse muito mais importante, eu cederia ao seu capricho. Mas não havia outra a coisa a fazer. Quando você é o próprio nada, a idéia é tudo. Portanto, naquele momento, imediatamente, ela foi inevitável. Eu simplesmente tinha que fazer.
Não foi necessário fazer um grande plano, pensar por muito tempo. A ideia já veio pronta, já me informava seu modus operandi. Eu só precisava chegar ao banheiro, porque naquele quarto escuro é que eu não poderia realizá-la. Levantei-me da cama sem me preocupar em fazer muito barulho. Eles dormiam pesado. Já fora do quarto, procurei fazer silêncio. "Fazer silêncio" - como se sabe, é um desafio. O assoalho de madeira daquela casa velha, por vezes, rangia. As portas precisavam de azeite. A gata preta, só para completar o clima de suspense, poderia ainda estar no caminho e miar com minha passagem, acordando meus pais. E eu precisava muito estar sozinho.
Enfim, apesar dos obstáculos, pude chegar ao banheiro. Acendi a luz e tranquei a porta. Lavei o rosto. Nem sei por quê. Não era o melhor cenário para realizar minha ideia: paredes infiltradas, papel higiênico cor de rosa para combinar com o vaso (mentira, era por probreza mesmo), uma cortina de chuveiro com estampa de navios azuis e, atrás dela, um rodo para secar o chão após o banho. Tomei coragem - e, no fundo, eu não tinha opção. Fiquei totalmente nu. Abri o espelho manchado que ficava
em cima da pia, onde guardávamos remédios, e, lá dentro, encontrei um outro espelhinho, um da minha mãe, desses de retocar maquiagem, que aumentam a imagem do reflexo. Então, por ele, olhei.
Meu cu.
Eu diria que é... indescritível. Ele estava simplesmente lá. Feio. Sim, feio, horrível, mas horrivelmente normal. Uma visão do inferno. Não tinha sido fácil encontrá-lo. Ele estava escondidinho na bunda. Com uma mão eu segurei o espelhinho, com a outra fiquei arreganhando a bunda. As pernas bem abertas. Depois de algum esforço, consegui vê-lo. Simplesmente lá, feio, horrível. No meio de um monte de pêlos. Me olhando. Me vigiando. O meu próprio cu. Meu cu.
Pus de volta meu pijama e voltei para a cama. Queria que tudo o mais se fodesse. Nem sei se fiz barulho ou se acordei alguém. Não importava mais. Só sei que eu não dormi.
Por Thiago F. * 18:54 *
terça-feira, 10 de fevereiro de 2009