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O Lago dos Cisnes de Tchankowsky



Para ler ouvindo Perfection, de Clint Mansell.




Para Lúcia.



Firmina era uma das melhores dançarinas de axé da Companhia de Dança Filhos do Sol. Dedicava-se integralmente à dança, passando cerca de oito horas por dia em ensaios. Infelizmente, a companhia não era muito requisitada fora de temporada, de forma que era preciso economizar todo o dinheiro recebido no verão para que durasse o ano inteiro. Mina, como era apelidada, ainda vivia com a sua mãe, que incentivava sua carreira artística desde que ela tinha 12 anos e viu no Faustão o concurso da nova loira do Tchan.

Por isso, foi uma surpresa enorme quando Compadre Washington e Jacaré apareceram na sede da Companhia em busca de uma nova dançarina. Mais ainda, sua presença provocava muita ansiedade, pois era também a promessa de melhorias, com dinheiro, fama, ensaios fotográficos, contratos publicitários. Mina tinha praticado a vida inteira para aquele momento, e quando já nem esperava mais, ele chegou.

Os rapazes do É o Tchan! pediram então que as dançarinas da Companhia de Dança Filhos do Sol fizessem a dança do bumbum, todas ao mesmo tempo, para que eles pudessem fazer uma pré-seleção. Mina ralava o tchan melhor que qualquer outra colega; dizia-se por lá que ela poderia mesmo superar Carla Perez, sua ídola. Naturalmente, foi selecionada, junto com Isadora, Ervânia e uma menina que veio do sul, Roberta, para uma segunda fase.

- Todos conhecem a história - disse Compadre Washington. Um famoso grupo de axé faz uma competição para definir suas dançarinas. A loira e a morena. Já foi contada muitas vezes. Mas agora, prestem atenção: desta vez, quero UMA SÓ DANÇARINA que possa ser a loira e a morena. Qual de vocês estará pronta para o desafio?

Mina sabia que estava. Sua interpretação de Carla Perez era impecável. No primeiro dia de provas individuais, ela arrasou. Compadre Washington foi falar pessoalmente com ela:

- Se eu estivesse procurando somente a loira do Tchan, seria você. Mas eu quero as duas. Vai, solta essa morena!

Isadora e Ervânia dançavam bem, mas não tinham nenhum brilho especial. Mina sabia que a questão seria resolvida entre ela e Roberta, que dançava o tchutchu de forma totalmente exuberante, sedutora, sexy. Era indescritível, e só cabia a Mina invejá-la e temê-la.

Sem saber o que fazer, foi para casa. Sua mãe havia feito um bolo para o seu aniversário. Mina recusou-se a comer para não ficar com celulite - já estava preocupada com as fotos que faria para as revistas masculinas quando fosse eleita a dançarina do Tchan. Preferiu treinar na frente do espelho do quarto os movimentos de morena, até que dormiu de exaustão.

No dia seguinte, mais provas e testes. Compadre Washington decidiu que, de fato, as finalistas seriam Mina e Roberta, e os ensaios ficaram mais puxados. Mina queria ser perfeita, e Compadre Washington queria que ela se soltasse mais. As duas dançavam, uma de cada vez, com Jacaré. A apreensão de Mina não permitia que relaxasse e dançasse com a sensualidade esperada por eles.

- AGORA PARE! - gritou Compadre Washington.
- …?
- PEGUE NO BUMBUM!

Pegou no bumbum. Pegou no compasso. Pegou no bumbum. Pegou no compasso.

- De novo!

E de novo.
E de novo.

Compadre Washington parecia não se convencer com a morena de Mina e encerrou o ensaio daquele dia. Ela continuou no salão, treinando, tentando liberar a morena que haviam lhe pedido. Havia desejado a vida inteira ser Carla Perez, substituí-la à altura no É o Tchan, já que sempre achou Sheila Mello inapta para a posição. Como faria, agora, para ser Scheila Carvalho?

As luzes da Companhia se apagaram e ela decidiu ir embora. Pouco antes de sair, porém, ouviu sons estranhos vindo de outra sala e decidiu verificar o que era, apesar de certa apreensão. Não acreditou nos próprios olhos quando viu Compadre Washington, Roberta e Jacaré fazendo sexo. “Puxa vida, eles já estão treinando a dança do Maxixe!”. Sentiu-se derrotada e foi embora muito perturbada. No caminho, pareceu-lhe que todas as mulheres eram morenas. A imagem de seu cabelo tingido de loiro no reflexo da janela do ônibus, junto com a impressão de que Compadre Washington não aprovava seu rebolado, fizeram-na sentir-se definitivamente mais inadequada para o posto na banda.

Em casa, sua mãe já dormia. Mina abriu a geladeira para pegar o bolo - já acreditava que não venceria o concurso. Ouviu então uma voz falar.

- A nova loira do Tchan!... É linda!

Viu de relance Scheila Carvalho no canto da cozinha iluminada pela luz da geladeira. Gritou e correu para acender a luz. Não havia ninguém. Estava sozinha. Sua mãe acordou com o barulho e perguntou o que estava acontecendo. Mina tentou desconversar, mas sua mãe sabia o que estava acontecendo.

- Você anda muito nervosa com essa competição.
- Não há competição. Eu sou muito boa, mas...
- Mas o quê?
- Há coisas que eu não...
- Você não o quê, filha?
- Eu deveria ser a melhor! A melhor! Só eu!
- Você é!
- Eu sou a Carla Perez! Melhor! Eu... eu...
- Filha, ouça a si mesma... Você não é assim.
- Cala essa boca! O que você sabe? Você nunca...
- Eu nunca o quê? Fala!
- Nunca ganhou nada...
- Olha aqui...
- … perdeu o concurso de chacrete para a Rita Cadillac!
- Mina! Mina!
- Para a Rita Cadillac! Como você pôde?

Trancou-se no quarto, chorou e dormiu. Teve um pesadelo no qual tinha que dançar sozinha a dança do Maxixe com Jacaré, e não estava conseguindo ser a loira e a morena ao mesmo tempo para fazer um sanduíche com ele. Acordou com o telefone tocando.

- Alô?
- Ei, tchan! Alô, tchan!

Era Compadre Washington, bem humorado, mas preocupado com sua ausência na Companhia. Ela tinha perdido a hora. Correu para o último dia de testes.

Chegando na Filhos do Sol, outra surpresa. Foi parabenizada por todos. Não haveria mais provas; ela tinha sido eleita. Agora, seriam só ensaios. O que não facilitou a vida de Mina: em três semanas, eles começariam a excursionar pelo Brasil com o novo single, “O Lago dos Cisnes de Tchankowsky”, e era preciso criar a coreografia para as duas dançarinas que interpretaria. A faceta loira não apresentava dificuldades; a morena, todavia, ainda não estava no ponto. Compadre Washington e Jacaré não facilitavam e exigiam cada vez mais. A pressão era massacrante.

Faltando poucos dias para seu debut, Débora Brasil, a morena original do Tchan, foi convocada para fazer uma consultoria em prol de Mina. Ficaram horas e horas conversando, ensaiando passos e rebolados. Por dentro, Mina odiava aquela mulher que havia dado origem a tudo isso. Por que uma morena desde o começo? Não bastava Carla Perez? Carla Perez era suficiente. Mas havia Débora, e depois Scheila e depois e depois e depois... e agora ela precisava ser morena, e isso a perturbava. Não podia mais suportar as morenas com seu, seu... ela nem sabia dizer o que tinham as morenas que tanto lhe faltava. Só via o ódio. Aproveitando-se do fato que a academia estava vazia, quebrou a garrafa de cerveja com a qual treinaram a boquinha da garrafa e rasgou o pescoço de Débora.

Ardente em febre, trancou-se em casa, com medo de ser descoberta. Delirava, e assim ficou por dias, até que chegou a data da estreia da nova formação do Tchan. Sua mãe havia se decidido a deixá-la trancada no quarto. Mas o ímpeto para o sucesso, a vontade de dançar, o tchan interior, isso Mina já não podia mais segurar, e arriscou-se a ir para o show mesmo acreditando ser procurada pela polícia.

Chegando lá, nos bastidores, viu Roberta fazendo uma ponte para aquecer a coluna.

- O que essa bruaca está fazendo aqui?
- Ela é sua substituta, você sumiu...
- Eu sou a dançarina do Tchan, está ouvindo, Compadre? Eu!

E pôs-se a trocar de roupa para a apresentação. Roberta bateu na porta do camarim.

- O que está acontecendo, Mina?
- Está acontecendo que eu que sou a dançarina do Tchan, e você está fora. Fora!
- Como assim?
- Eu! Eu!
- Mas, Mina...
- “Mas, Mina” é o cacete!

Arrancou das mãos de Roberta a corda que seria usada para a dança da cordinha, que fazia parte do repertório da turnê, e estrangulou a ex-concorrente. O caminho estava livre. Não havia ninguém entre ela e o palco, entre ela e o Tchan.

Então foi e dançou como ninguém jamais havia dançado axé até então na história da humanidade. Absoluta. Arrebatou lágrimas, suor, todo tipo de fluidos corporais do público presente com seu rebolado, sua ginga, sua interpretação da loira e da morena nos hits dos anos 90 e nos novos. Saiu do palco ovacionada e sentindo-se merecedora.

No backstage, recebeu flores da própria Scheila Carvalho. Estranhou a presença de Roberta e de Débora Brasil a parabenizando pela performance - não estavam mortas, afinal? O que havia acontecido? Apesar do enorme estranhamento e desconforto, não se importou muito, pois aquilo era para o melhor. Não havia mais problemas a resolver.

- Parabéns! Parabéns, minha mainha! - exaltou Compadre Washington, visivelmente excitado pela apresentação. Mina, você estava excelente, perfeita!
- Sim, perfeita - e o beijou na boca. Mas não me chame mais de Mina. Daqui por diante, quero ser a nova Scheila do Tchan.
- Sim, mainha, a nova Scheyla! Boa ideia! É um bom nome. Posso ver nos cartazes, na capa do CD. A nova Scheyla do Tchan. S, C, H, E, Y, L,...
- Y não, Compadre. Scheila com i: i de iscola.







Por Thiago F. * 18:58 * segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011