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O último conto de Thiago F.



Para ler ouvindo Jed the humanoid, de Grandaddy.




Jeddy 3 is what we first called him
then it was Jed
but Jed's system's dead
therefore so's Jed
(TRECHO DA MÚSICA QUE VOCÊ DEVERIA ESTAR OUVINDO)



Uma mosca entra no olho de Júlio. Não, não sabemos muito bem como, menos ainda por quê. Ela entrou lá. No olho direito. Veja bem, é uma mosca um tanto esperta. Logo compreendeu a situação e tratou de não atrapalhar muito a vida dele, sabe? Quer dizer, Júlio sempre via a mosca com seu olho direito. Só ele a via. Isso não foi possível evitar. Mas teve também seu lado positivo.

A vida se tornou até mais fácil para ele. A mosca tinha uma boa intuição, e ajudava Júlio em suas escolhas. Não que ela falasse com ele: mesmo que ela pudesse falar, Júlio não escutaria, pois ela entrou no olho dele, não no ouvido. O que acontecia é que dentro do campo de visão dele, ela voava em torno das melhores opções. Então ele seguia o bom conselho da mosca e sempre se dava bem. Assim foi no vestibular, por exemplo. Em todas as decisões importantes da vida ela colaborava. No casamento de Júlio, inclusive.

Essa é um história até que engraçada. Marcela, a esposa de Júlio, só fazia sexo no escuro. Por muito tempo, não foi problema nenhum para ele, pois o amor é lindo e ele a adorava e fazia tudo como ela pedia. Acontece que um dia Júlio distraidamente acendeu a luz do abajur com o dedão do pé e a perereca de Marcela ficou à mostra. A mosca ficou com medo e voou embora. Júlio nunca mais a viu e passou a ser um cagão. Não porque achasse que assim a mosca voltaria para voar ao redor dele, mas porque não sabia mais tomar decisões sozinho. E, como conseqüência disso, Marcela se divorciou dele. Pensando bem, não é uma história engraçada. É até bem triste se você for romântico como eu. Mas eu nem sou tão romântico assim, só às vezes.

Enfim, não era essa a história que eu queria contar sobre Júlio e sua mosca. Foi só um exemplo. Um dia, antes da mosca ir embora, ele encontrou por acaso um amigo.

- Não pode ser uma amiga?

Não, fica quieto. Deixe-me narrar.

- Uma amante? Eu quero uma mulher.

Você já tem uma mulher, a Marcela.

- Sim, mas você já disse que eu vou me separar dela. Quero outra.

Mas isso não aconteceu ainda neste momento.

- Eu que não vou esperar as coisas darem errado. Já tenho que conviver com uma mosca no olho. Não mereço algo de bom também? Narre uma mulher para mim, faça o favor.

Assim eu não vou conseguir contar sua história. Vou contar outra.

- Não venha com desculpas, você ainda não contou a história, pode colocar uma outra mulher em minha vida.

Acredito no seu romance com Marcela.

- Mas ele vai acabar por causa de uma mosca!

Bom, eu posso ser uma mulher.

- Você pretende entrar na história? Eu não sei se quero você. Você enche o saco dizendo o que eu tenho que fazer o tempo todo. Aliás, não era um conto sobre meu encontro com um amigo?

É que eu não pensei em todos os detalhes ainda.

- Espera um pouco. Você tinha dito "romântico como eu". Romântico! Você é um cara! Eu quero uma mulher, já disse.

Posso arrumar isso na revisão.

- E o narrador revê o texto?

Sim.

[Nota do Autor: Na verdade, não. Eu faço a revisão.]

- Viu?

Espera um pouco. Thiago, eu posso ser uma mulher, não?

[N.A.: Não foi o que eu planejei.]

Você pode arrumar isso na revisão!

[N.A.: Não grite comigo. Posso colocar que você é um romântico eunuco na revisão. Não me custa nada. Agora prossigam com o conto, pelo amor de deus.]

- Seu Thiago, por favor, faça ele narrar uma história com uma nova mulher para mim.

[N.A.: Não. Narrador, prossiga. Diga o que aconteceu no encontro de Júlio com o amigo.]

Um dia, antes da mosca ir embora, Júlio encontrou um amigo, por acaso.

- Olha, vai se foder, sempre te odiei. Tchau.

O amigo ficou sozinho e...

[N.A.: Deixa de ser bunda-mole e faz o personagem voltar e seguir com a história.]

O amigo ficou sozinho apenas por alguns momentos e Júlio voltou para desculpar-se.

- Desculpar-me é o cacete! Me deixa em paz! Eu quero é ir para casa comer minha mulher enquanto dá tempo! Termina essa história você aí só com um amigo sem nome.

Júlio, irritado, foi embora definitivamente, deixando o amigo sem nome atônito. A vida é assim: ter uma mosca no olho é como ter uma pulga atrás da orelha.

São Paulo, inverno de 2009.

* QUEM ESCREVEU ISSO? *

[N.A.: Ele.]

Eu.

- Quem está gritando agora? - disse Júlio, que voltou ao ouvir o grito. - Porra, narrador, não precisa me dizer o que eu acabei de fazer.

* QUE ZONA É ESSA? *

- É um pai?

É um pedagogo?

[N.A.: Não... é o Super-Ego!]

- Quem?

Super-Ego?

[N.A.: Sim. Meu herói favorito.]

Achei que fosse o editor.

* PULGA ATRÁS DA ORELHA? MORAL DA HISTÓRIA? "SÃO PAULO, INVERNO DE 2009"? É O CACETE! *

[N.A.: Foram eles, Super. O personagem só quer saber de mulher, o narrador não sabe o que fazer. Eles não me deixam ir para frente com a história.]

* CALE-SE. *

[N.A.:Sim, senhor.] * PODEM PARAR COM ESSA HISTÓRIA TODOS VOCÊS AGORINHA MESMO. ONDE VOCÊS PENSAM QUE VÃO COM UM ARGUMENTO DESSES? "UMA MOSCA ENTRA NO OLHO DE JÚLIO". QUE IDEIA IDIOTA. ACABEM COM ESSE CONTO. *

[N.A.: Eu pretendia que a mosca fosse a mesma do Bataille...]

* E VOCÊ AINDA ACHA QUE É ORIGINAL? ROUBANDO PERSONAGENS DOS OUTROS? *

[N.A.: Mas era pra ser só uma referência...]

* CALA A BOCA QUANDO EU ESTIVER FALANDO! VOCÊ NÃO É BATAILLE. CALA A BOCA. VAI FAZER SEUS DESENHINHOS, VAI. *

- Nossa!... Você viu isso?

Pois é.

* O QUE VOCÊS ESTÃO FAZENDO AQUI AINDA? SEU CONTO ACABOU. ME DEIXEM EM PAZ. *

- E o que eu faço?

* DESAPAREÇA. NÃO TEM HISTÓRIA PARA VOCÊ. *

Eu posso contar a história do rapaz que chegou em casa e ele, ele, encontrou a mãe e então a mãe dele tinha outro filho, não era irmão dele, era um filho contratado, eles eram parecidos e...

* NÃO. NÃO PODE. SEU MERDA. VOCÊ É UM NARRADOR PERSONAGEM. NÃO TEM HISTÓRIA PRA VOCÊ TAMBÉM. DESAPAREÇA. *

- Cara escroto.

Será que é sempre assim?

- Vamos perguntar. Thiago, ei, Thiago! Venha cá.

[N.A.: Oi. Eu estava fazendo a ilustração para o conto de vocês, mas parece que foi cancelado, né? Que pena.]

- Ele sempre trata você assim?

[N.A.: Assim como?]

Gritando. Dando ordens.

- Mal.

[N.A.: Não é isso. Ele não me trata mal.]

- Me pareceu muito mal. Olha o que ele fez comigo. Acabou comigo. Eu sou um personagem mas tenho sentimentos.

[N.A.: Ele só quer o melhor para mim.]

Você chama isso de melhor?

[N.A.: Claro. Ele só é rigoroso. Graças aos toques que ele me dá, eu nunca publico contos ruins. Tudo o que eu escrevo acaba saindo ótimo. Tem seu preço, é verdade, que é eu ter que abrir mão de histórias bobas que não vão a lugar nenhum. Mas isso é bom.]

- Me parece mais censura.

Ele não te deixa escrever besteiras?

[N.A.: Nunca. Jamais. Sempre me protege. Por isso é meu herói favorito.]

- Mas você não quer?

[N.A.: Sim, até quero, bem que tento. Só que ele não deixa.]

Você então vai simplesmente deixar que a gente desapareça? A gente é criação sua! Brigue por nós! Podemos fazer uma história boba mas boa.

[N.A.: É que ele não vai deixar... não posso fazer nada. Entendem?]

- Não.

Não. O que ele pode fazer?

[N.A.: Tudo, sei lá. Ele é superpoderoso. Ele me bateria, eu acho.]

Não tem jeito de convencê-lo?

[N.A.: Tenho certeza que não.]

- E derrotá-lo? Todo super-herói tem uma fraqueza, um medo.

[N.A.: Sim, tem.]

Diga! O que é? Podemos conseguir.

[N.A.: É... o Maurício.]

Maurício?

- Quem é esse filha da puta? Onde podemos encontrá-lo?

[N.A.: É meu primeiro personagem. É o único que pode derrotá-lo. Ou é a única pessoa que o Super-Ego teme.]

Em que conto ele está? Posso narrar uma versão 2.0.

[N.A.: Ele não está em conto nenhum. É o meu amigo imaginário de 1988.]

- OK, vamos buscá-lo então.

Sim. Pois bem. Eis que surge Maurício.

[N.A.: Não adianta. O Super-Ego expulsou ele de mim. Hoje, o Mau é amigo imaginário do Daniel. E acho que ele não quer voltar.]

- Já sei então. Eu posso interpretar esse tal de Maurício, só para espantar o Super-Ego. Daí você publica o nosso conto.

É verdade. Eu posso narrar uma descrição do Júlio se passando pelo seu antigo amigo imaginário. Como ele era?

* VOCÊS SÃO MUITO CRETINOS MESMO. EU SOU O SUPER-EGO, EU SEI DE TUDO O QUE SE PASSA POR AQUI. ACHAM QUE IAM CONSEGUIR ME DERROTAR COM UM PLANO TÃO IDIOTA?

[N.A.: Pois é, amigos, ele é onisciente. É um dos poderes dele.]

* VOU ACABAR COM ESSE ZUNZUNZUM DE UMA VEZ POR TODAS. A COMEÇAR POR VOCÊ, SEU MOSCA MORTA. *

O Super-Ego de Thiago F. segura Júlio com uma de suas mãos e, com a outra, arranca e esmaga o olho habitado pela mosca.

* HAHAHA! NUNCA VERÁS UMA PERERECA, SEU INÚTIL! *

Uma dor lancinante tortura todo o corpo de Júlio, enquanto o sangue jorra aparentemente sem fim de sua cabeça.

- Cala a boca! Faça a dor parar!

Subitamente, a dor passa e Júlio encontra forças para resistir. Mas então - o quê? - Super-Ego arranca sua cabeça, extinguindo-lhe a vida. Em seguida, aponta em minha direção. * VOCÊ É O PRÓXIMO. TEM UM ÚLTIMO DESEJO? *

Sim, eu quero

* PRONTO. ACABARIA COM VOCÊ TAMBÉM, SE ISSO NÃO SIGNIFICASSE ACABAR COMIGO MESMO. *

[N.A.: Escuta...]

* NÃO. CHEGA DE ESCUTAR. É MUITO BARULHO. ESTOU EXAUSTO. SUAS CRIAÇÕES DÃO MUITO TRABALHO PARA EXTERMINAR, DE TÃO RUINS QUE SÃO. ME DEIXE EM PAZ. E PARE DE QUERER ESCREVER. QUE SPIDER-MANHATTAN SEJA O ÚLTIMO CONTO DE THIAGO F. *

[N.A.: E o amigo sem nome? Acho que ele tem uma palavra para você.]

* QUE AMIGO SEM NOME? *

[N.A.: O personagem interlocutor de Júlio.] * AH, ELE NÃO TEM MAIS COM QUEM INTERAGIR, NÃO TEM NARRADOR. SIMPLESMENTE NÃO FOI DESCRITO O BASTANTE PARA EXISTIR E ME INCOMODAR. *

[N.A.: Ledo engano. Ele é suficientemente real para acabar com você. Entre... Maurício!]

* O QUÊ? NÃO! NÃO É POSSÍVEL! *

[N.A.: Sim! Meu plano deu certo. Enquanto você se distraía com personagens de péssimo gosto, eu consegui trazer Maurício de volta por trás dos panos! Ele vai acabar com você agora! E eu serei livre! Livre!]

* NÃO SERÁ TÃO FÁCIL... EU JÁ DERROTEI ESSE MAU UMA VEZ, POSSO VENCÊ-LO NOVAMENTE! EU SOU UM HERÓI! EU... *

[N.A.: Um herói contra o Mau? Depois sou eu quem tem ideias ruins... Enfim, faça o seu melhor. Maurício, é com você!]

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[N.A.: Júlio... mosca... Maurício...narrador romântico. Vocês foram bravos e não serão esquecidos. Farei com que vivam para sempre. Graças a vocês, amigos, estou livre para escrever. Sem amarras, sem censuras, sem regras hortográficas. Mas antes, tirarei férias. Não porque meu assim-chamado-herói quis que meu conto anterior fosse o último. Não. Mas porque eu quero. Porque quem manda aqui sou eu.]


Por Thiago F. * 15:33 * quarta-feira, 16 de setembro de 2009